Lídice é uma sobrevivente de um sistema perverso, diz Eliana Calmon


Ela atuou com mão de ferro na Corregedoria Nacional de Justiça. Tornou-se conhecida pelas suas declarações polêmicas a respeito do Judiciário. Na mais famosa, Eliana Calmon, 69 anos, falou da existência de “bandidos de toga”. Quando estava no centro da polêmica, essa soteropolitana, que há 14 morava em Brasília, chegou a negar a sua entrada na política, mas foi seduzida pelo ‘consórcio’ partidário Rede/PSB e vai disputar uma vaga ao Senado.

 
Nesta entrevista ao site Bocão News, Eliana Calmon diz que “nunca” teve relação de proximidade com o senador ACM – morto em julho de 2007  – e afirma acreditar que Lídice da Mata – candidata ao governo – não sofrerá ataques por causa da sua gestão como prefeita de Salvador na década de 1990, extremamente criticada. “Lídice é uma política valorosa, guerreira, sobrevivente de um sistema perverso”. Fala-se que a hoje senadora foi perseguida por ACM, que fechava o acesso, inclusive, ao governo federal.
 
  
Admiradora do presidenciável e governador de Pernambuco, Eduardo Campos (PSB), Eliana não esconde seu descontentamento com o governador da Bahia, Jaques Wagner, que não a teria recebido quando ela, enquanto corregedora de Justiça,  precisava atuar no Tribunal de Justiça do estado. “Pedi a um interlocutor para falar com ele, mas não obtive resposta”.
 
 
Por Cíntia Kelly // Fotos: Gilberto Junior 

 
Bocão News – A senhora estava em uma zona de conforto, com sua atuação combativa no Superior Tribunal de Justiça e no Conselho Nacional de Justiça. Por que entrar para a política?
 
Eliana Calmon– Não é zona de conforto propriamente dita. É uma vida diferente. A estrutura do Judiciário deixa com áurea de proteção, está sujeito a muitas dificuldades, pressões, estresses, mas no fim o poder judiciário também faz política, só não partidária. A política é a arte de governar. Como? No Judiciário a gente aplica a lei. No Legislativo faz as leis e no Executivo administra, mas todos fazem política. Todos fazem política, a partidária é que é diferente. (…) Estava numa zona de conforto porque existe aquela áurea de proteção em relação a tantas coisas que a gente tem de fazer. Quando voltei do CNJ para o meu gabinete, encontrei 10 mil processos para julgar, além disso era diretora geral da Escola Nacional de Magistratura. Então, pelo fato de ter muito trabalho tinha um motorista, uma secretária e tudo isso me deixava um pouco fora da vida na tramitação do dia a dia. Eu fiquei, 14 anos sem pegar um táxi, sem reclamar como consumidora. Depois da aposentadoria, voltei para a Bahia, mesmo que não fosse candidata estria voltando a ser uma cidadã brasileira e a fazer tudo aquilo que os mortais fazem, tomar transporte, pegar taxi, ser consumidora, sofrer as agruras do sistema. O consumidor não é respeitado. Comprei um telefone e precisei ir três vezes para reclamar. Não baia como fazer, minha irmã que me ensinou. Isso está sendo um aprendizado. É preciso saber o que o povo sofre, como a sociedade se comporta.
 
 

BNews – Quando falei que a senhora saiu da zona de conforto estava me referindo ao fato de ter deixado de ser estilingue ao se tornar ‘político’, que é uma figura muito criticada. A senhora está preparada?

EC– Eu acho que estou. A prática vai demonstra. Eu me candidatei porque a minha compreensão é de que nós agredimos muito a classe política, Por tudo o que existe, há um desgaste grande na política, onde há ladrão, oportunista e há o julgamento de um por todos. Isso realmente incomoda, mas é preciso que a gente, que não tem esse rótulo, porque não fez parte disso, enfrente para melhorar o nível. Eu acho que temos de mudar isso. Não é possível como os políticos continuem a serem criticados, desgastados, tenham essa imagem tão ruim. O meu objetivo é entrar na política, sobretudo, na minha terra porque morei em Brasília por 24 anos, mas nunca abandonei a Bahia. Não quero ganhar a qualquer custo. Isso não me interessa aos 69 anos de idade. Já fui autoridade, dirigente de órgão público. Hoje quero mostrar para a juventude da minha terra que existe saída para essa atividade, que não é só falta de decoro, baixaria. Política não é isso. São ideias, é uma forma de comunicarmos com o eleitor e sermos tradutores da vontade daqueles que precisam. Por isso, eu estou disposta a enfrentar a classe já desgastada, desrespeitada.  Tenho uma vida limpa, é um livro aberto. Isso vai ser explorado pela oposição política com baixaria, batendo com vontade e mentiras. Estou certa de que isso vai ocorrer. Mas o que quero é o respeito do povo da minha terra. Quero dizer: ‘olhe aqui, o que eu digo hoje, eu vou dizer amanhã’.
 
 

 

BNews – Não seria mais fácil disputar o Senado pelo Distrito Federal? Aqui a disputa vai ser pesada, com Otto Alencar que tem muita visibilidade, sobretudo no interior, e um dos candidatos de oposição – Paulo Souto ou Geddel Vieira Lima – que também é conhecido.
 
EC– Eu já sabia que iria encontrar na Bahia políticos já tradicionais. Avaliei os convites que estavam sendo feitos. Verifiquei que na Bahia seria difícil. Os políticos profissionais se apropriam do partido e ficam donos do pedaço, não deixando chance para que outros candidatos possam concorrer. Os partidos agem como verdadeiras camisas de força polarizam a votação em a ou b. E os eleitores votam em nome e não no partido. E isso é uma coisa ruim. Brasília e uma ilha da fantasia, por isso quis vir para a Bahia. Lá os políticos são extremamente desgastados e como Brasília é uma cidade com uma população muito letrada, esclarecida, com escolaridade alta, são eleitores elitistas no sentido de escolher aquele menos desgastado. O senador Cristovam Buarque me disse que foi governador, senador, deputado e dormia todos os dias na casa dele. Não precisava dormir nos distritos que ia fazer campanha. E eu troquei isso por um estado complicado, com 417 municípios. Eu coloquei na parede da minha casa um mapa da Bahia, onde vejo todos os municípios e fico pontuando as cidades, regiões. Muitos são distantes um do outro e muitos com pobreza muito grande. As pessoas têm pouco acesso aos meios de comunicação, de modo geral votam com o governo. Tenho 69 anos quando eu era pequena, o que mudou nesse tempo? Nada. Isso tem de mudar. Por exemplo, a questão da seca, no sertão do Raso da Catarina, em Tucano, Euclides da Cunha, eu já ouvia quando menina da seca, o que foi feito?
 
 

BNews – E por que esse descaso acontece?

EC– É isso que quero mudar. A indústria da seca já elegeu muita gente, porque tira o voto em troca da caçamba de água, do poço artesiano, das caixas d´água. Isso precisa acabar com uma política de meio ambiente como se hoje prega. O Estado de Israel é no deserto e tudo funciona. Lá leva anos sem chover, mas há capitação de água, planejamento dos recursos hídricos. Não é distribuindo caminhões de água na época de eleição e quando a seca está ‘braba’. Faz quando está chovendo.

BNews – Quando a senhora se filiou ao PSB, disse que não queria fazer parte da velha política. O que quis dizer com isso?
EC– Estou aqui para fazer política onde eu me mostro e digo o que penso. Estou na Bahia e por causa da Legislação não posso dizer que sou candidata, só quem faz isso é a presidente da república, que diz que é candidata a reeleição. A minha pretensão de ir para o Legislativo é para fazer política nacional e dentro da política nacional, eu represento o Estado da Bahia. Então, dentro da política nacional de captação de recursos  hídricos eu faço inserir o que a Bahia precisa, é isso que faz o Senado, uma política maior. Nós precisamos fazer uma política de rede que Marina Silva vem pregando, onde o vereador está conectado com o deputado estadual, que está com o federal, que está ligado ao senador. Assim formamos um grupo que vai defender, desde o Estado, até aquele município. Esta é a ideia de fazer política diferente, que dá sustentação a quem entrar agora, amanhã ou depois.
  
 

BNews – Qual a sua relação com o senador ACM (morto em julho de 2007). Hoje a senhora está filiada ao PSB, partido de Lídice da Mata que foi perseguida em sua administração à frente da prefeitura de Salvador. Como explicar essa história?
EC – Eu nunca fui ligada a ACM. Nunca fui à casa dele. Levei dez anos como juíza federal e nunca fui à casa dele. Quando eu me candidatei a uma vaga no Superior Tribunal de Justiça (STJ). O processo de escolha para o STJ é político, o que é ruim para a independência, para julgar grandes interesses. O que aconteceu foi que vários amigos, inclusive o então presidente do STF, Maurício Correia, foi a ACM e disse que havia uma baiana na lista. Ele disse que não me conhecia, disse que quando eu estive no Tribunal Eleitoral não fiz pelo carlismo, mas era alguém da Bahia e ia ajudar. Ele tinha força junto ao presidente da República (Fernando Henrique Cardoso) e ele ajudou. Quando fui sabatinada pelo Senado, me perguntaram se eu tinha padrinho e respondi que sim. Entre eles ACM. Em primeiro lugar eu tinha dever de gratidão porque a interferência política dele foi fundamental. Segundo porque naquele momento eu fiquei impedida de julgar qualquer processo envolvendo ACM. Fiquei confortável. Ele nunca me pediu nada.
 

BNews – Lídice foi perseguida e não pode fazer muito por Salvador e, por isso, foi criticada. Saiu com a imagem arranhada. A senhora acha que isso será explorado na campanha?


EC– Isso não tem nada a ver. Lídice é uma política valorosa, guerreira, sobrevivente de um sistema perverso. Eu acho que houve apropriação dos métodos carlistas pelo atual PT. E isso é perverso e aniquila muitas vezes uma pessoa do bem, como foi o caso de Lídice. Ela e sobrevivente. Com todo aquele absurdo ela sobreviveu como política e isso não pode ficar na vida dela como um arranhão. Acho que isso, a perseguição sofrida, a forma como podaram deve impressionar o eleitor, que ele possa resgatar aquilo que ela sofreu. Eu não tive duvida, quando escolhi o PSB por ser partido nascido na Bahia. De todos, foi o único que nasceu daqui, de João Mangabeira. Sou muito bairrista. Se querem dizer que existe algo em comum com ACM é isso, sou bairrista e muito baiana.  Escolhi também porque tenho muita admiração por Eduardo Campos. Fui chamada por ele quando era corregedora de Justiça para decidir uma situação em Jaboatão dos Guararapes. Como governador ele mapeava todos os problemas de segurança em todos os municípios e cobrava onde a justiça não estava atuando. Havia muitos homicídios, crimes de mando. Disse que a Justiça ia resolver, mas precisava da ajuda dele. E deu tudo certo e resolvemos.
 

BNews – E o governador da Bahia, Jaques Wagner, fez algo semelhante?

EC– Não. Aqui tem até um programa parecido com o de lá, ‘Pacto pela Vida’. Já vi entrevista dele dizendo que viu isso em Pernambuco e fez aqui a imagem e semelhança do que tem lá. Temos problemas de atuação no Tribunal de Justiça e está parcialmente superado, temos uma nova gestão. Quando cheguei aqui como corregedora e vi as dificuldades, eu peguei um interlocutor para chegar até o governador e não obtive resposta. Eu disse que estava entrando no Tribunal de Justiça porque estava preocupada com a questão dos cartórios extrajudiciais, que é uma chaga na Bahia.
 

BNews – Por que?

EC– É único estado que tem essa bagunça toda. ACM resolveu privatizar todos os cartórios. Isso é absurdo. Os cartórios privatizados ganham rios de dinheiro e fazem papel eminentemente do Estado. Com a Constituição de 88, mandou que a Bahia recolhesse os cartórios que estavam na mão do Tribunal de Justiça, para isso o TJ terá que fazer concurso e botar os novos dirigentes dentro dos cartórios privatizados, mas o TJ nunca fez isso. Eles rendem muito dinheiro, mas a justiça esta sucateada, dilapidados e os servidores não tinham nem como trabalhar. E isso é criminoso. Quando estava na Corregedoria, mandei minha equipe ir bem cedo no cartório de Vitória da Conquista. As filas eram imensas às 6 horas da manhã. Tinha gente que estava lá desde as 22 horas do dia anterior. Teve um casal que estava desde as 2 horas da madrugada. Eles queriam o atestado de óbito para enterrar o filho, caso não conseguissem isso até as 17 horas, a criança ia ser enterrada como indigente. Não deu outra. Ela foi enterrada como indigente porque a certidão só saiu três dias depois. Isso não pode.
De quem é a culpa disso? É do sistema, mas a responsabilidade maior cabe ao Tribunal de Justiça que não fez o deve de casa. O primeiro ato do atual presidente do TJ foi publicar edital de abertura de concurso. Então, nós verificamos que muitas coisas acontecem por falta de ação do estado, através dos seus gestores.

 

 


BNews – Esse dinheiro arrecadado era para custeio ou era desviado?

EC – Não era desvio, era gastar mal o dinheiro. Existem aquelas verbas carimbadas. Não pode ser desviadas para outra finalidade. Ficava solta. Exemplo. Quer mudar móveis de gabinete? Tem o dinheiro. Quer uma festa? Tem esse dinheiro. O gasto indevido. Existem gabinetes de desembargadores luxuosos, prédios suntuosos. Aqui, o CNJ encontrou tapete persa. A desculpa era que o tapete era pequeno. O fato é que o dinheiro da Justiça não é para isso.
 

BNews – A Justiça baiana é corrupta?

EC– Ela é um pouco. Existem pontuais pontos de corrupção. Tanto de magistrado, quando de desembargador, serventuários. O grande problema não é isso. O governo brasileiro é corrupto. A minha prioridade é combater a corrupção que está grassando de tudo quanto e lado. Tem que ter inclusão social. O Bolsa Família, mas não pode ficar só nisso, tem de ampliar. Eu ouvi palestra com o secretário de Segurança do Rio de Janeiro. Ele disse o seguinte: ‘subir o morro e instalar a polícia lá é o primeiro passo. O segundo é ocupar a juventude que está lá sem fazer nada. Isso é porta aberta para o crime. Não se pode fazer política atuando em um só lugar. Tem de dar escola, o hospital, o esgoto…E não tem dinheiro? Quando quer, tem. Basta administrar bem. O dinheiro dá para tudo quando termina um mandato, a prefeitura está toda arrebentada e o prefeito rico.